quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

«Vamos Fazer Um Espectáculo», João Carneiro, Jornal Expresso



VICTOR HUGO PONTES GOSTAVA DE SABER COMO RELACIONAR VIDA E ARTE

Primeiro, a ideia era fazer um espectáculo em torno de questões de identidade, e da relação entre sujeitos individuais e vida em conjunto. A passagem do tempo - cerca de um ano - alterou ligeiramente essa ideia, e transformou-a em questões sobre a relação entre os indivíduos e o espaço. Umas vezes o espaço é privado, outras é público. Mas umas vezes o espaço privado adquire uma dimensão pública, por mil razões diversas; pode ser que a pessoa se queira expor, e expor a sua intimidade. Pode ser que a sua intimidade seja devassada e exposta; pode ser que a exposição seja inevitável, ou pode ser que seja tudo ao mesmo tempo. E pode ser que a ideia tenha a ver com uma velha questão: como é que do espaço privado se passa a um regime de exposição pública? Como é que a vida real se transforma em livro, filme, ópera, quadro, vídeo, instalação, performance, espectáculo?
Manual de Instruções procura dar a ver esta questão. Victor Hugo Pontes, o autor do espectáculo, trabalhou com a sua cúmplice em dramaturgia, Madalena Alfaia, para organizar conceitos e descrever problemas. Fez workshops pelo país fora, sempre com três intérpretes fixos - dois actores e uma bailarina - e um grupo de não profissionais. A ideia final é a de que, depois de uma exposição inicial de acções pelos dois actores e pela bailarina - Manuel Sá Pessoa, Tiago Barbosa e Elisabete Magalhães -, cada um dos outros intervenientes, 12, traga para o espaço de representação um objecto de uso quotidiano, que o utilize, o manipule, que seja com ele um ser actuante. Cada um dos intervenientes tenta ignorar os outros, age como se estivesse sozinho, em sua casa, no seu espaço, sem que ninguém o visse. Como se trata de um espectáculo, o público está lá a observar tudo, e a baralhar as pistas.
Em 2007, Victor Hugo Pontes apresentou na Gulbenkian Ensaio, concebido a partir de texto de Susan Sontag sobre fotografia. Manual de Instruções é um espectáculo sem palavras, eminentemente coreográfico, embora não necessariamente um espectáculo de dança. E procura reagir a questões importantes dando-lhes uma formulação possível, uma vez que as respostas estão reservadas, geralmente, à bola de cristal e à observação do sangue de galinhas degoladas em noites de lua cheia.

24.01.09, Revista Actual - Jornal Expresso

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