sábado, 31 de janeiro de 2009

«Elogio da evidência», Tiago Bartolomeu Costa, Jornal Público


Crítica de Dança
Manual de Instruções
De Victor Hugo Pontes
Centro Cultural Vila Flor, Guimarães
24 Janeiro, 22h
Esgotado

Victor Hugo Pontes tem, ao longo do seu percurso, persistido (ou perseguido) numa filosofia de composição cénica que, utilizando conceitos próprios da fotografia, navega ao largo do teatro e da dança, criando assim uma massa performática moldável e intrigante. Espectáculos como Laboratório (2005), Ícones (2006, a partir de um excerto do anterior), Fotomontagem e Ensaio (ambos de 2007) sedimentaram as bases de uma pesquisa sobre a relação entre a imagem e a representação. Mas os dispositivos que cria, especulativos e de diagnóstico em vez de afirmativos e autorais, tendem a originar uma dolência que contraria as potencialidades de um diálogo eminentemente complementar.
Não é que estas reflexões tivessem que ser novas ou originais, mas havia uma pesquisa, certamente deambulatória, que apontava para uma atenção às fragilidades da composição performática. Nomeadamente o duelo entre a sua inerente efemeridade e a capacidade de evasão proporcionada pela fixação de uma imagem. Recuperando uma frase de Ensaio, retrospectivamente o seu melhor espectáculo, «as imagens despoletam também mecanismos de dedução especulação e fantasia». Ao chamar a si a herança da ensaísta norte-americana Susan Sontag parecia redimensionar a composição figurativa, delimitando o campo de acção teórico e accionando mecanismos de representação que se serviam dessa teoria em vez de estarem ao seu serviço.
Com Manual de Instruções ficamos na dúvida de saber se Victor Hugo Pontes deu um tímido passo na exploração dessa aparente solução dramatúrgica, ou se se encontra num impasse discursivo que deita por terra a capacidade que tem de trabalhar a partir do poder especulativo do olhar.
Dividido em três longos planos-sequência, que combinan as fragilidades e os riscos do seu percurso, o autor desbarata um conjunto de oportunidades para ir mais além da disposição espacial de corpos mergulhados na solidão, da construção de imagens vãs e quotidianas e das micro-narrativas facilmente identificáveis. O jogo que propõe - primeiro com três intérpretes (Elisabete Magalhães, Manuel Sá Pessoa, Tiago Barbosa), que gerem uma demasiado lúdica e anedótica desmontagem do movimento, depois com os dozes participantes locais a serem utilizados para a instalação de um território que acentua o estafado discurso sobre o isolamento no colectivo, por fim (a sequência mais interessante e que merecia ser mais aprofundada) criando um mapa abstracto a partir da acumulação de corpos e objectos no mesmo território -, acusa a ambição de criar um ensaio visual sob a forma de puzzle que deve ser gerido de acordo com as possibilidades de projecção do espectador.
Apesar das ambiências criadas pela banda sonora exemplar (Rui Lima e Sérgio Martins), com particular destaque para a interpretação masoquista de All by myself, pelo desenho de luz assertivo e irrepreensível (Wilma Moutinho), pelos figurinos estrategicamente casuais (Osvaldo Martins) e pela cenografia (do coreógrafo) que, com a sua longa parede forrada num papel delirantemente kitsch, acentua a claustrofobia da cena - traduzida mais tarde na colocação de plásticos em todos os adereços domésticos -, Manual de Instruções nunca ultrapassa os tiques de uma certa discursividade coreográfica que criticando as sociedades urbanas e contemporâneas incorre no erro de replicação de lugares comuns.

30.01.09, P2 - Jornal Público

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