sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O que fazer quando a vida parece igual à arte?

Entre as diferentes linhagens que problematizam tão fértil questão, contam-se o idealismo poético, o exacerbamento do real ou a auto-referencialidade. O problema é que estas expressões dizem pouco, e dizem cada vez menos se de facto pensarmos nelas. Quando se monta um espectáculo, parte-se de uma ideia. Quando se formula essa ideia geralmente já se englobou nela o conjunto de referências com que se trabalha, sejam autores, obras de arte, outros espectáculos, afinidades filosóficas, pessoas, sentimentos, dúvidas e objectivos a cumprir. Na verdade, os «horizontes referenciais», como é uso designar-se, são mais do que diálogos com outras manifestações artísticas; diria mesmo que são muito mais um diálogo com aquilo que define o criador enquanto pessoa, já que daquilo que define o criador enquanto pessoa fazem parte todas as referências. Todavia, este argumento, para além de circular, é discutível e alongaria o texto em demasia. Estava a falar, recordo, da montagem de um espectáculo. Após a formulação da ideia, escolhem-se os materiais, humanos e não humanos. E depois – saltando o fosso de tudo aquilo que acontece pelo meio – chega-se a um formato (espacial, temporal, referencial).
Para chegar ao formato de Manual de Instruções, Victor Hugo Pontes limitou-se a seguir este percurso. O formato é complexo apenas na medida em que se constrói com doze intérpretes ao longo de poucos dias (para além dos três intérpretes «profissionais» que já conhecem o roteiro). De resto, Manual de Instruções é tão simples, previsível e inquietante como a rotina quotidiana. Apresenta problemas suspensos de si mesmos, sem respostas à vista. Trabalha com materiais e pessoas comuns, sem sofisticações filosóficas. Deixa cair máscara após máscara, mito após mito, defesa após defesa. Baixa os braços perante a tentação da beleza, do aperfeiçoamento e da superioridade mimética que a arte representa. Sucumbe à suficiente complexidade da vida comum.
A experiência de trabalhar novamente com Victor Hugo Pontes, em Manual de Instruções, foi como uma aprendizagem ao contrário. Foi preciso regredir no percurso que conduz da vida à arte, para se perceber que a força propriamente artística do projecto residiria, como aconteceu, na sua circunstância e natureza: autor, intérpretes, público. Um palco e a vida toda lá dentro.

Madalena Alfaia

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