domingo, 25 de janeiro de 2009

«Sozinhos em Casa», Inês Nadais, Jornal Público



Um ano depois das primeiras experiências em laboratório, o Manual de Instruções de Victor Hugo Pontes tem estreia amanhã, em Guimarães

Elisabete Magalhães, Manuel Sá Pessoa e Tiago Barbosa estão sozinhos em casa (mas sozinhos todos juntos, e ainda há mais 12 pessoas) neste Manual de Instruções que Victor Hugo Pontes (o homem que fica à porta e que, quando entra, se confunde com o papel de parede) estreia amanhã à noite no Centro Cultural Vila Flor (CCVF), Guimarães. Também está em casa, ele - a trabalhar, finalmente com apoio financeiro do Instituto das Artes, na cidade onde cresceu, com algumas das pessoas com quem cresceu (incluindo o pai e alguns amigos dos primeiros anos da companhia de teatro Oficina, agora estrutura residente do CCVF).

É uma coisa que podia estar escrita: ele não fala de outra coisa e este Manual de Instruções também não. «Quis que isto funcionasse como uma sobreposição de instruções, como se a vida estivesse escrita num manual de fácil consulta. Às vezes as folhas rasgam-se, às vezes passamos algumas páginas à frente, às vezes as palavras ficam esborratadas porque apanharam chuva, mas é como se as coisas acontecessem porque tinham de acontecer», diz.

O Manual de Instruções está escrito assim: Victor Hugo Pontes chega com a equipa fixa, a mobília e os figurinos, faz uma audição para escolher os 12 intérpretes locais, e depois passa dois dias a dar-lhes instruções sobre o que fazer quando estiverem sozinhos em casa. «A peça começa por ser muito abstracta para depois se tornar numa coisa completamente concreta, que é uma acumulação de gestos quotidianos coreografados. Basicamente, disse a estas 15 pessoas - 16, comigo - para habitarem o espaço como se estivessem sozinhas», explica. Demorou um ano a encontrar o lugar certo para a mobília: «O Manual de Instruções resulta da vontade que tinha de fazer uma peça com muita gente. Como inicialmente não tinha dinheiro para fazer nem com muita, nem com pouca, comecei por fazer laboratórios gratuitos em vários locais do país, em que em dois dias montávamos histórias a partir dos temas e das influências que eu levava.» É aqui que Nan Goldin e Céline Dion começam a dividir casa: «A visão que a Nan Goldin tem da vida privada e da intimidade era uma das coisas com que queria trabalhar, porque me interessam estes gestos sem espectacularidade, sem encenação. E outra grande influência é o All by myself', que a maioria das pessoas conhece da versão da Céline Dion e que aqui explica mais ou menos a situação destas pessoas.»

A primeira apresentação informal, no Porto, foi tão ao lado e tinha tantos «equívocos» que Victor Hugo Pontes percebeu que «tinha de ter pelo menos três intérpretes fixos que fossem os pilares da peça» (as outras pessoas têm dois dias para aprender o manual de instruções e para o executar). Trabalhou com Elisabete Magalhães, Manuel Sá Pessoa e Tiago Barbosa mais intensivamente, no contexto de duas residências de criação - no Centa, em Vila Velha de Ródão, e no Espaço do Tempo, em Montemor-o-Novo - e depois instalou-se em Guimarães para escolher mais 12 ocupantes para esta casa. «Queria trabalhar com gente de várias faixas etárias e com diferentes graus de formação artística, incluindo gente sem formação artística. Já que queria falar de pessoas, interessava-me ter pessoas, e não representações. Em Montemor-o-Novo apareceram cinco na audição. Aqui tive 60 e foi mesmo muito difícil escolher porque eram todas tão genuínas, e expuseram-se tanto, que me apetecia não prescindir de nenhuma. Decidi ter um convidado, o meu pai, e depois diversificar as idades, para não ficar com uma coisa tipo residência universitária.»

Ficou com uma casa igual às outras - com electrodomésticos, plantas, móveis Ikea, papel de parede, sacos de compras e pessoas em frente à televisão. Ele é o homem que chega no fim, para embalar a mobília (e as pessoas, porque as pessoas já fazem parte da mobília), mas não é para se desfazer dela - é para mudar de casa.

23.01.09, Jornal Público

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